quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

APOCALIPSE, RECONSTRUÇÃO DA ESPERANÇA

I. SABEDORIA, PROFECIA E APOCALÍPTICA

Dentro da evolução histórica do povo da Bíblia, pode-se observar transições em seu modo de se expressar, especialmente pela literatura. Neste processo destacamos três grandes correntes literárias ou movimentos literários: o sapiencial, o profético e o apocalíptico. Compreendê-las é de fundamental importância para entender o Apocalipse por ser fruto do movimento apocalíptico. Trataremos primeiramente de analisar cada um destes movimentos para depois percebermos como se dá a passagem de um para outro, especialmente no caso da passagem do profético para o apocalíptico.
Antes de iniciarmos esta análise, é necessário saber que quando falamos de apocalíptica nos referimos a um estilo literário com algumas características bem próprias, presente em toda Sagrada Escritura e também em outros escritos fora dela.
Ao acompanharmos as etapas da história do povo de Israel e do Cristianismo primitivo poderemos ver a ligação que há entre o contexto social, político e religioso e o desenvolvimento da literatura e da teologia deste povo. Este fenômeno é observado não só na história do povo da Bíblia, mas em toda história da humanidade, inclusive nos dias atuais. Não é possível imaginar qualquer expressão literária desvinculada da realidade onde ela se desenvolve.
Com relação às três correntes que destacamos antes, é possível relacioná-las com as etapas da historia de Israel. Claro que não podemos com isso restringir a produção literária específica a cada período que vamos referir de forma a não considerarmos que há também produções que extrapolam este esquema. Estamos falando de períodos onde os referidos estilos literários alcançaram o ser ápice de produção/divulgação.
a) Movimento sapiencial: desenvolve-se num contexto de sociedade estruturada, com um governo local estável e organização social (monarquia). Destaca-se a figura do sábio que geralmente era membro da corte. Muitos escritos sapienciais são atribuídos a Davi e Salomão. A sociedade era estável do ponto de vista do sábio.
b) Movimento profético: desenvolve-se num mundo organizado. Algumas vezes dentro da corte, mas a maior parte do tempo nasce de quem está à margem dessa organização social como um movimento de denúncia e proclamação da Palavra de Deus. Destaca-se a figura do profeta que é aquele que “percebendo os sinais dos tempos”, consegue fazer a leitura da realidade e apresentar o julgamento de Deus sobre ela.
c) Movimento apocalíptico: desenvolve-se quando esse mundo organizado foi destruído, quando a situação é marcada por um verdadeiro caos e total falta de estrutura. Neste contexto restam poucos sinais de esperança para o povo, que geralmente é oprimido ou perseguido, portanto, nem a sabedoria, nem a profecia são capazes de dar respostas aos anseios deste povo. Destaca-se a figura do que podemos chamar de “sujeito apocalíptico”, que em sua postura assemelha-se ao profeta. A diferença entre eles está mais na forma de se expressar e na linguagem, sobre isso veremos com mais detalhes posteriormente.
Não só o sujeito apocalíptico e o profeta se confundem, mas em geral os gêneros literários têm muitas características em comum. Aliás, a apocalíptica é considerada filha do profetismo. O mais importante para nossa compreensão do Apocalipse é saber diferenciar estes dois gêneros literários tanto no estilo quanto na teologia.
A apocalíptica se desenvolve, sobretudo, entre os séculos II a.C. e I d.C. como movimento de resistência e esperança para o povo oprimido por dominações estrangeiras, invasão cultural e perseguições religiosas. No caso do Antigo Testamento temos grande presença desta literatura no livro de Daniel, em outros escritos e em muitas obras posteriormente consideradas deuterocanônicas ou apócrifas. No Novo Testamento, além do Apocalipse de João, temos vários trechos apocalípticos nos evangelhos e em outros escritos.
Contextualizando estes escritos temos, no AT a dominação helênica, marcada com a invasão da cultura grega e a aniquilação dos valores da religião judaica com a perseguição dos que permaneciam fieis. O livro de Daniel trata deste tema, paralelo a ele podemos ler os livros 1 e 2 Macabeus.
No Novo Testamento temos várias situações que marcam a vida do povo como situações de opressão e perseguição. Podemos destacar a destruição do Templo de Jerusalém (70) e a perseguição dos cristãos por parte da elite judaica ou do Império Romano.

II - DESENVOLVIMENTO DA LITERATURA APOCALÍPTICA BÍBLICA

Os livros de Daniel e o Apocalipse são os únicos livros genuinamente apocalípticos que entraram no canôn da Sagrada Escritura. Eles são os extremos visíveis de um horizonte histórico de três séculos onde se desenvolve o movimento apocalíptico popular que se expressou numa abundante literatura apócrifa.
A compreensão histórica do Apocalipse de João deve começar com a revolta dos Macabeus (167 a.C.) e com a história de todos os movimentos populares judaicos desta época até por volta do ano 100 d.C. onde devemos situar o movimento apocalíptico judaico-cristão. É aqui também que devemos situar o movimento de Jesus e dos primeiros cristãos. O fundo histórico de Jesus é a apocalíptica.
Outra chave de interpretação do Apocalipse é a sua relação com a profecia cristã primitiva e com o movimento apostólico, especialmente o movimento paulino. No Novo Testamento profecia e apocalíptica se convergem. Em Jesus e nas primeiras comunidades descobre-se uma síntese entre profecia e apocalíptica.
Pode-se identificar pressupostos históricos da apocalíptica a partir do ano 585 (volta do Exílio da Babilônia). Neste período nascem movimentos reformadores com escatologia e mundo simbólico apocalíptico com duas tendências:
1) Sacerdotal: É um projeto de restauração do povo pela reestruturação do Templo e do Culto inspirado em Ez 40-48 Ag e Zc 1-8. Este movimento logo perde a dimensão escatológica apocalíptica e se transforma em um movimento de controle da comunidade (Esd e Ne).
2) Profético-popular: Busca a reconstrução de Israel a partir da reconstrução do próprio povo. Tem por base Is 60-62 alem de servir de base para quase todo Isaias, Zc 9-14 e Je 3-4.
Os dois movimentos buscam reconstruir o Povo de Deus. O primeiro a partir da restauração das estruturas, o segundo a partir da reestruturação do povo. O movimento apocalíptico posterior conservará a linguagem e a simbologia do primeiro, porém, historicamente será um prolongamento do segundo que, por nascer fundamentalmente do povo da terra, busca uma reconstrução utópica do povo por meio da criação de uma nova consciência a através da crítica das instituições dominantes.
Os dois movimentos foram historicamente necessários, mas foi o profético-popular o mais criativo e o que mais influencia no movimento de Jesus e das origens do cristianismo.

III - CHAVES SÓCIO-TEOLÓGICAS PARA ENTENDER O APOCALIPSE

Não resta dúvida que a literatura apocalíptica é uma literatura de homens oprimidos que expressam a visão de mundo dos setores mais pobres, humilhados, marginalizados da sociedade e que têm uma visão histórica ou teológica alternativa às dos grupos dominantes.
O sujeito social da apocalíptica é o oprimido, mas o seu pensamento pode, da mesma forma, ser universal, fundamental, criativo, constitutivo e totalizante com uma identidade e legitimidade próprias.
Podem-se identificar três situações sociais fundamentais onde se desenvolve a literatura apocalíptica:
a) Desintegração de grandes catástrofes: desintegram todas as estruturas sócio-religiosas que reproduzam a vida e os mitos do povo. Aqui, busca-se criar novos mitos, construir uma nova consciência para que a vida não entre no caos. Exemplo: a apocalíptica surgida após a destruição do Templo em 586 a.C. ou o ano 70 d.C..
b) Perseguição: de autoridades locais ou de uma potencia estrangeira com a cumplicidade de grupos locais. Exemplo: Império de Antíoco IV, que pôs em perigo a fé e a cultura do povo de Deus que vemos narrada em 1 e 2 Mc e Dn.
c) Permanente opressão: como é o caso do povo judeu na Palestina, oprimido ao mesmo tempo pelo Templo, por grupos judaicos e pelo Império Romano.
Em cada uma destas situações podem nascer tipos de apocalíptica diferentes. No caso do Apocalipse de João não é tanto a perseguição, que também havia, mas a opressão e a exclusão. São comunidades cristãs que por sua consciência de fé não podem participar da sociedade e estão culturalmente marginalizadas. É uma opressão permanente e uma exclusão total econômica-cultural-religiosa, também cotidiana e familiar. (Ap 1,9 e 7,14).
Exclusão é pior que exploração e opressão, pois o excluído fica completamente fora, sua morte não afeta o sistema. Há uma degradação crescente quando o pobre já não é apenas pobre, mas também oprimido e quando já não é só oprimido, mas excluído.
Nesta situação, a reconstrução da comunidade e da pessoa se torna urgente e libertadora. Este é o contexto em que nasce o Apocalipse sem desconsiderar a opressão permanente e as perseguições que também se deram.
A contradição rico-pobre, opressor-oprimido, perseguidor-perseguido, pode ser interpretada teologicamente em termos “ímpio-justo” ou em categorias cosmoteológicas como “terra-céu”, “este mundo-mundo que vem”. A oposição império-povo e interpretada com os símbolos “besta-figura humana” (Dn 7), besta-cordeiro,”selo da besta-selo do cordeiro”.

IV – CHAVE LITERÁRIA PARA COMPREENDER O APOCALIPSE

O sentido fundamental do termo apocalipse é des-ocultar, revelar, tornar visível algo que está oculto. O Apocalipse desoculta a realidade dos pobres e legitima a sua libertação. Por isso, é libertador e uma boa nova para os pobres.
A revelação sempre se articula com a resistência, o seu lugar social é o oprimido. O que é próprio dessa apocalíptica é ter uma teologia histórica e uma escatologia política. A teologia apocalíptica é a teologia que se articula ao econômico, ao político, ao social e ao cultural e por isso mesmo é uma teologia de pobres e de oprimidos que buscam uma libertação.
A história na apocalíptica tem um presente, um passado e um futuro (nessa ordem). O fundamental é o presente, onde se encontra o autor e os ouvintes do livro. É um tempo de crise e igualmente um tempo único e limitado de conversão e de graça. O autor escreve para animar os seus ouvintes em sua resistência, sua luta, sua esperança e na construção do Reino. Anuncia o fim dos sofrimentos do tempo presente e o inicio de um novo mundo.
Para convencer e dar credibilidade o autor faz entrar o passado. Para apresentá-lo, ele se identifica com algum personagem do passado que viveu numa situação semelhante à que vivem os ouvintes do presente e que é um personagem significativo para eles (ex: Daniel e João).
Este passado é apresentado como uma revelação a este personagem fictício, onde se anuncia o que vai acontecer no futuro. Este futuro já aconteceu, pois o autor real está no presente. Este fenômeno, chamado de prophetia ex eventu ou antedatação, tem função retórica e querigmática para exortar e convencer.
Com isso, a escatologia não é um discurso abstrato sobre o fim e o futuro, mas um discurso concreto sobre o que põe fim ao tempo presente. Da mesma forma como a apocalíptica fala do passado em função do presente, ela também fala do futuro em função do presente.
Esta escatologia é eminentemente histórica por dois motivos: primeiro porque a construção do futuro é que dá sentido ao momento presente e a toda história; e segundo porque esse futuro pode ser antecipado pela comunidade que é a primícia dele. Este futuro escatológico é parte da história e se realiza nela.
Outro fenômeno da literatura apocalíptica a ser considerado é a utilização de mitos, símbolos e visões entendidos não de forma literal, mas como chave histórica e libertadora, como representação orgânica da comunidade oprimida.
O mito utiliza normalmente elementos cósmicos (sol, lua, estrelas, terra, céu, caos, terremoto, sinais no céu, árvore da vida, água da vida, etc.). Constrói também símbolos com realidades humanas (anciãos, anjos, figura humana, mulher, meretriz, etc.). Estes mitos não são a-históricos, mas sempre expressam realidades históricas, processos históricos, e é assim que devem ser lidos.
Devemos considerar ainda que estes mitos e símbolos são polissêmicos (têm significados múltiplos) o que lhes permite comunicar diferentes mensagens ao mesmo tempo, fica sempre aberto e disponível a novos significados, porém, devendo sempre considerar o contexto nos qual eles foram desenvolvidos. Com a criação dos mitos, o apocalipse busca reconstruir a consciência do povo para que se identifique e se reconstrua como povo e para que possa mobilizar-se contra o sistema opressor/perseguidor.
A visão no apocalipse combina muitos símbolos e mitos numa única percepção. Ela procura transmitir uma convicção fundamental ou desenvolver uma espiritualidade. O Apocalipse oferece visões de um mundo alternativo para dar ânimo aos cristãos e aumentar o seu poder de resistência na perseguição, procura organizar a experiência imaginativa do povo. Cria visões para ajudar o povo a imaginar e criar um mundo alternativo ao mundo que acabou ou ao mundo de opressão.
No Apocalipse há certamente uma pratica histórica própria do contexto histórico, social e espiritual no qual nasce a apocalíptica. Um elemento essencial dessa pratica é o Testemunho, que é um ato público (proferida ou atuada), que compromete quem a profere perante a sociedade ou às autoridades. Em grego se diz martyría; os mártires são os que dão testemunho, inclusive com o próprio sangue. No Apocalipse tem uma força transformadora da história.

V - ESTRUTURA GERAL DO APOCALIPSE

Estrutura geral do livro: estrutura concêntrica
- Prólogo e Saudação (1,1-8)
- A – Visão apocalíptica da Igreja (1,9-3,22)
- B – Visão profética da história (4,1-8,1)
- C – As 7 trombetas (releitura do Êxodo) (8,2-11,19)
- Centro 12,1-15,4: A comunidade cristã entre as bestas
- C – As 7 taças (releitura do Êxodo) (15,5-16,21)
- B – Visão profética da história (17,1-9,10)
- A – Visão apocalíptica do futuro (19,11-22,5)
- Epílogo

 Há uma nítida correspondência entre o Prólogo e a saudação (1,1-8) e o epílogo (22,6-21)
 Há correspondência entre as 7 trombetas e as 7 taças: São uma releitura da Teologia do êxodo: A intervenção libertadora de Deus na história.
 A seção dos 7 selos é de gênero literário e teológico diferentes das trombetas e das 7 taças e mais se parece com 17,1-19,10.
 Temos, portanto, uma estrutura concêntrica ABC-Centro-CBA.


O apocalipse não contém uma visão cronológica da história, tampouco se apresenta ordenadamente como uma historia da salvação. Seu conteúdo é escatológico, portanto:
1) Tem uma interpretação profética da situação presente da comunidade cristã.
2) Vê o tempo atual como Kairós, curto espaço de tempo antes do final.
3) É a interpretação de Deus que põe fim aos poderes da morte e inaugura a instauração do Reino de Deus.
4) A estrutura gira em torno do presente e não em torno do fim dos tempos.

VI - CENTRO DO LIVRO: A COMUNIDADE CRISTÃ ENTRE AS BESTAS

Apocalipse 12,1-16 tem um caráter fortemente mítico, o que não quer dizer que não seja histórico. O que temos neste capitulo são dois mitos fundamentais e antagônicos: uma mulher e um monstro. Ambos aparecem como dois sinais no céu.
O primeiro sinal é uma mulher formosa: vestida de sol, com a lua sob os pés e com 12 estrelas na cabeça. O outro é um mostro grande e vermelho, com 7 cabeças e 10 chifres.
A mulher aparece como sinal de vida: está grávida e a ponto de dar a luz; em seguida dá a luz a um filho homem. O monstro é sinal de morte: está lá para matar o filho da mulher; além disso, com a calda arrasta a terça parte das estrelas.
Portanto, o sentido fundamental destes dois mitos é o confronto entre a vida e a morte. A vida formosa, porém frágil; a morte com uma força poderosa. O que triunfa é a vida, ou seja, a mensagem fundamental é uma mensagem de esperança.
O autor constrói este capitulo a partir do AT. O povo de Deus é representado com freqüência como uma mulher (Is 66,5-9). A ressurreição do povo é como um parto (Is26,17-19). Da mesma forma o AT fala de monstros míticos (Is 27,1; Jó 40,15; Sl 89,11). Assim como o conflito entre a mulher e a serpente no Gênesis.
Em 12,13-17 temos outro relato mítico, que agora se desenvolve na terra. O monstro, já arremessado do céu para a terra persegue a mulher. Assim como no versículo 6, no versículo 14 a mulher se salva no deserto, que aqui é o símbolo do Êxodo, lugar onde o povo de Deus conquista a sua libertação e salva a sua identidade. As duas asas de águia, com as quais a mulher se salva, são igualmente um símbolo do Êxodo (Ex 19,4) representam a força de Deus que ajuda a comunidade, não como uma ajuda externa, mas é a própria comunidade que com a ajuda de Deus voa para o deserto. Também a terra vem em socorro da comunidade. Talvez ela designe o projeto do povo da terra, que na terra sempre encontrou a sua libertação.
No centro destes relatos (12,10-11) temos uma parte não-mítica que dá a chave para interpretar o capítulo. É um hino litúrgico. Seu aspecto central é que agora chegou o Reino de Deus. Os termos salvação, poder, reino e autoridade são termos nitidamente políticos. A chegada do Reino é um fato social, público, visível, na história aqui na terra. A causa da chegada do Reino é a derrota de Satanás no céu. Os mártires são os que causam a derrota de Satanás. A morte e a ressurreição de Jesus que torna possível a vitória aos mártires.


Este material foi produzido com base no livro “Apocalipse, reconstrução da esperança” do escritor biblista Pablo Richard pela editora Vozes.


Cláudio Eduardo Cordeiro

quarta-feira, 1 de abril de 2009

MARIA, SINAL DA OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS POBRES

A imagem construída pela comunidade lucana sobre Maria é de fundamental importância para elaboração da imagem de Maria em nossas comunidades hoje. Muito mais do que milagreira, quase deusa, ela deve ser para nós modelo de seguimento de Jesus. É a partir da sua vivência de fé que Deus age tornando-a agraciada.Quero destacar aqui dentre as caracteristicas por ele apresentadas sobre Maria a de considerá-la como sinal da opção preferencial de Deus pelos pobres. Maria é pobre, é como as "muitas Marias” (como nos diz João Cabral de Melo Neto), “mãe de muitos Severinos”. E é a partir dessa mulher pobre que Deus decide se manifestar na história. O canto do Magnificat é a expressão ápice dessa opção, pois nos diz que Deus “derrubou os poderosos de seus tronos e elevou os humildes”. Assim, hoje nestas “muitas Marias”, nos muitos “meninos Jesus” que nascem sem ter onde morar, o que comer ou o que vestir trazendo até nós hoje vários presépios armados embaixo de viadutos, em barracos de favelas, etc, Deus continua agindo, resta-nos assumir em nós esta opção para que não falte a esperança a eles e possam também perceber a opção de Deus. Só assim seremos verdadeiros discípulos e missionários como foi Maria

terça-feira, 31 de março de 2009

COMPREENDER O DOGMA DA MATERNIDADE DIVINA DE MARIA


Há atualmente diversas correntes na Igreja que exigem de nós reflexões mais amplas dos dogmas marianos, em particular aqui o da maternidade de Deus. Isso se justifica pelas idéias muitas vezes distorcidas que são elaboradas em algumas delas a partir desse dogma. É necessário deixar claro que ele se refere, tem como fundamento e se justificativa na pessoa de Jesus. É conseqüência indispensável para se afirmar a unidade da pessoa do Filho com o Pai. Daí se afirma que Maria é “mãe do Deus-Filho”. Naturalmente afirmar a divindade da pessoa de Jesus, exige afirmar que Maria é “Teotokos”. Entendido isso de maneira clara evita-se compreensões errôneas sobre Maria, que em muitos casos, chega a ser considerada como uma espécie de divindade, com atributos semelhantes aos de Deus. Temos isso bem visível em muitos movimentos ou grupos católicos que difundem devoções marianas sem qualquer fundamento bíblico ou teológico, partindo equivocadamente desse dogma, como se ele fizesse dela uma pessoa divina. Reconhecer Maria como mediadora de graças, intercessora, etc, só terá sentido se o fizermos a partir de Jesus Cristo e reconhecendo que nela há a ação gratuita do Deus que quis revelar-se a si mesmo fazendo-se homem como nós, “nascido de uma mulher”. Portanto, a graça está aí e Maria é a agraciada por excelência, pois deu o seu sim ao projeto de Deus e sujeitou-se à ação do Espírito Santo sendo “mãe, educadora e discípula” do Filho de Deus.

quinta-feira, 19 de março de 2009

ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES

Elaborada pelos seminaristas da Diocese de Almenara

Jesus Cristo Bom Pastor, desperta em nós sensibilidade para ouvir e sabedoria para responder ao seu chamado. Que nosso sim possa traduzir-se em serviço às nossas comunidades que se reúnem em torno da Palavra e da Eucaristia, transformando-as em lugares de diálogo, partilha e justiça.
Envia seu Santo Espírito sobre esta Igreja em missão popular. Que ele desperte nosso povo para o serviço missionário como leigos e leigas, na vida consagrada ou no ministério presbiteral, renovando o ardor missionário recebido no batismo.
Deus Pai e Mãe, que inspirados na vocação de João Batista e de Maria, sejamos anunciadores do seu Reino, trabalhando para que todos tenham vida e a tenham em abundância!
Amém!

A JUSTIÇA NA CONCEPÇÃO RELIGIOSA

Na Bíblia, justiça é apresentada com vários significados. No Antigo Testamento pode designar preposições legais do Pentateuco como sinal da fidelidade à aliança de Deus, ou ainda como costumes morais. Pode ser entendida ainda como a ordem justa da sociedade, cuja prática é uma obrigação moral. A justiça obriga a preocupar-se com os pequeninos, os pobres, as viúvas e os órfãos.
No Novo Testamento, é a justiça divina que serve de fundamento para julgar todas as concepções humanas de justiça. Nos sinóticos, está na base das relações humanas apresentadas no Sermão da Montanha, segundo o princípio “sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito”. Para a teologia paulina, o homem não pode atingir a justiça por seus próprios esforços, mesmo por obediência a lei. A justificação vem pela fé em Cristo através da graça de Deus.
Para Santo Agostinho, não pode haver justiça se não se reconhece o verdadeiro Deus e se toda a vida não se ordena em função dele. Não há uma verdadeira idéia de justiça fora da revelação de Deus em Cristo. O Cristão deve inserir-se nas sociedades terrestres, reconhecendo que elas podem atingir uma espécie de justiça, porém, deve reconhecer também seu caráter imperfeito e transitório.
Tomás de Aquino, contrário a Agostinho, pensa que pode haver uma justiça mesmo entre os não-cristãos. Para ele, a justiça é a virtude específica da vontade. Distingue justiça cumutativa de justiça distributiva. Sendo esta última constituída pelas regras segundo as quais a sociedade distribui as recompensas e castigos e impõe obrigações a seus membros. A primeira, por sua vez, refere-se às regras que governam as relações entre os indivíduos. Por exemplo, a proibição do homicídio.
Também Tomás, assim como Aristóteles, faz relação entre justiça e equidade. Segundo ele, não há nenhuma regra moral que possa ser aplicada com toda certeza em todas as situações possíveis.
Bernhard Haering, em sua obra Livres e fieis em Cristo diz que Deus revela sua justiça revelando o seu amor. A Justiça de Yahweh é quase um sinônimo de sua salvação. É a manifestação de sua salvação, de sua bondade e de sua misericórdia.
Diante desta justiça, resta-nos o compromisso de agir sempre usando a mesma justiça e misericórdia. Aceitar o Reino de Deus significa aceitar a justiça salvífica de Deus. O cristão deve reconhecer que a justiça de Deus deve ser concreta entre os homens, o que inclui, sobretudo, o amor aos irmãos, amor que não pode ser imposto por conceitos da justiça humana. A vida segundo a justiça de Deus reflete-se de maneira particular na justiça social.
No discurso da Igreja a respeito da justiça, sobretudo na América Latina, quase sempre é mencionada a questão da justiça social. Esta pertence aos conteúdos essenciais do Evangelho. O homem que de fato o recebe, quer vivê-la. Para os valores evangélicos, o amor não pode ser anunciado sem promover a paz e a justiça.
Todo esforço que se fizer para realizá-la na sociedade humana inclui-se na libertação integral de Cristo que aperfeiçoa e supera o trabalho humano dando-lhe sentido integral e absoluto.[1]
Maior ênfase teve este tema na Teologia da Libertação, que afirma o amor de Deus pelos excluídos da sociedade e deseja a sua libertação. A partir deste princípio, elaborou-se um rico discurso de incentivo aos movimentos que trabalham para o desenvolvimento de uma sociedade com mais justiça.
Concluo esta reflexão citando o Catecismo da Igreja Católica, no qual encontramos o conceito de justiça como “a virtude moral que consiste na vontade constante e firme de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido(...), dispõe a respeito de cada um e a estabelecer nas relações humanas a harmonia que promove a equidade em prol das pessoas e do bem comum”.[2] Ou ainda, “o respeito a dignidade humana exige a prática(...) da virtude da justiça para preservar os direitos do próximo e lhe dar o que lhe é devido(...)”.[3]
1. Cf. HAERING, Bernhard. Livres e fieis em Cristo: teologia moral para sacerdotes e leigos. Vol II. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 451-453
2. Catecismo da Igreja Católica n.1807
3. idem n. 2407